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Terapias



Quinta-feira, 10.12.15

A escola onde não se chumba

Aqui não há toque de entrada nem chumbos até ao 9.º ano. No momento  em que o Conselho Nacional de educação põe a questão em cima da mesa, recuperamos a reportagem numa escola diferente 

 

Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre." A frase que nos recebe à entrada da Escola Básica e Secundária de Carcavelos, sede do agrupamento, no concelho de Cascais, resume bem o que vamos encontrar.

Numa escola onde não há toques, e mal se veem relógios, esperava-se antes a lengalenga do tempo pergunta ao tempo... O certo é que à hora certa os alunos saem para o recreio e no fim do intervalo regressam pacificamente à sala de aula. Há apenas um relógio de sol no chão, junto aos campos de jogos, ao ar livre, onde os miúdos trocam bolas, uns entre os outros. Mas aquele é só um pormenor. Muitos mais havemos de encontrar enquanto percorremos o edifício e os espaços em volta.

"Professor, não pude vir às aulas porque andei em torneio, preciso de apresentar justificação?" Estamos em pleno recreio do meio da manhã quando o rapaz, do alto dos seus 16 anos, se aproxima do diretor. Este sorri: "Claro que precisas." Não é caso único: além do campeão de ténis, que anda sempre em jogos, por ali também há nadadores da seleção e ainda o campeão de esgrima. "Somos também escola de referência para o desporto náutico", conta um orgulhoso Adelino Calado, 61 anos, diretor há uma década, a lembrar que o agrupamento tem até a seu cargo uma escola de atividades náuticas vela, windsurf e canoagem... num corredor de água na Baía de Cascais, entre a zona dos pescadores e o Clube Naval. Do rol de todas aquelas mais-valias, há ainda um galeão ancorado em Cascais que é igualmente usado por eles: "Chama-se Estou para Ver e lá dentro podem dar-se aulas de todas as disciplinas", segue o diretor. A isto soma-se um pavilhão desportivo bem equipado (tem quatro camas elásticas, coisa impensável para a maioria), partilhado com clubes ali da zona, que o usam entre as 18 e as 23 horas. E, num futuro breve, uma piscina, outro bem a dividir com a comunidade: o projeto está já inscrito no Plano Diretor Municipal e será mais um em gestão partilhada, o segredo para tanto dinamismo.

Ainda andamos neste passeio de reconhecimento quando esbarramos com uma rapariga de dossiê na mão, no qual se lê "7.º A". Morena, longos cabelos frisados, calças de ganga e T-shirt branca, Raquel, 12 anos, é a delegada de turma, e por isso é ela que transporta o livro de ponto. "Eu já era responsável, transportar o livro é só mais uma tarefa", diz, meio tímida, para depois confessar que vai dividir a empreitada com o subdelegado. "É como não haver toque de entrada. Ao início é um bocadinho estranho mas na verdade é preferível assim. Tornava-se muito irritante..."

Aprender a várias velocidades

Já passou a meia hora da pausa do meio da manhã. Aos poucos, os garotos vão desaparecendo em direção às suas salas. Entre aqueles 1600 alunos que frequentam a básica e secundária do 5.º ao 12.º ano encontra-se ainda um caldo de culturas, qualquer coisa como 35 nacionalidades: canadianos, venezuelanos, cubanos, além de europeus do Leste e africanos de língua oficial portuguesa. Só hão de voltar a aparecer perto da hora de almoço. Os pequeninos primeiro, claro, dez minutos antes para não serem ultrapassados pelos mais crescidos enquanto carregam os almoços da semana no refeitório e isso faz-se com o cartão de aluno numas máquinas colocadas sob as televisões. Uma transmite a TV Educativa, um projeto comum a 55 escolas do País. A outra é de serviço interno: mostra trabalhos feitos por alunos daescola e dá informações úteis o que, num início de ano letivo conturbado como este, pode ser de grande valor, dada a falta de professores e funcionários. Contra isso, Adelino Calado sabe que só resulta a flexibilidade. "Se abro o bar, fecho a papelaria ", exemplifica, sabedor (e a experiência prova-o) de que a solução para os problemas da sua escola assenta na maioria das vezes num trio feito de negociação, compromisso e parceria.

Há uma década, o cenário era bem diferente. Daí dizer-se que há lugares onde as pessoas fazem a diferença e ali nota-se bem, seja no à-vontade ou na determinação das palavras do diretor Adelino Calado, alguém que acumulou o curso de Educação Física com uma carreira de alta competição na modalidade de andebol, no Benfica, mas que às vezes também é pescador, além de ainda se ter formado em artes. Há décadas naquela escola, lembra-se bem que em 1977/78 chegou a ter 4 mil alunos. Em 2004, eram pouco mas de 400. "Tinha de dar a volta a isto, e não precisei de nenhuma autonomia extraordinária. Utilizo apenas as possibilidades que a lei permite", sublinha.

Há uma primeira grande mudança que se tornou o seu emblema: "Não acreditamos na retenção no ensino básico. Chumbar um aluno não é a melhor maneira de o recuperar ", insiste. No início, recorda-se, foi complicado impor uma tese assim. Todos o acusaram de facilitismo, sobretudo quando havia alunos a transitar de ano com negativas às mãos-cheias. "Experimentámos vários modelos (por exemplo, avaliar por ciclo de ensino), mas aqui o que funciona são turmas especiais nas quais juntamos quem tem grandes falhas na aprendizagem." É o caso de uma turma de 5.º ano que só tem 18 alunos, além dos dois com Necessidades Educativas Especiais. "Têm dois professores de português, três de matemática... A nossa aposta é na diferenciação, cada um aprende à sua velocidade", defende.

A avaliação é toda feita de forma diferente, com a ajuda de critérios que não números porque, como salienta o diretor, não dividimos os alunos em fatias para os avaliar. "Acreditamos no que o professor diz quando decide atribuir uma nota. Em lado algum a legislação diz que tem de ser uma ponderação dos vários instrumentos. Aqui na escola é simples: o professor tem de ensinar, orientar a aprendizagem, criar um juízo de valor sobre o aluno e, no final, atribuir uma nota." Claro que pelo meio é preciso usar fichas de avaliação, trabalhos individuais e de grupo. Uma vez por período, há também um teste comum a todos de uma mesma disciplina, sempre à mesma hora, que serve para perceber se, em cada nível, estão ou não onde se quer que estejam. E mensalmente seguem relatórios para a direção.

"Assim, percebo logo se há uma turma a precisar de um reforço", acrescenta o diretor. "A nossa preocupação é saber se aprenderam a matéria, não são as médias." Mas não esconde que, sem nunca ter pensado muito nisso e estava para lá do 600.º lugar, em 2003..., no ano passado já ficou entre as 25 primeiras escolas públicas do País, além de ser a melhor do concelho. "Ah, e ainda fomos contemplados no ano passado com o melhor aluno de matemática, um miúdo do 6.º ano que ganhou as Olimpíadas nacionais. " Adelino Calado não esconde o que o move: "A nossa preocupação é que terminem o seu percurso escolar com sucesso, seja na faculdade seja no mercado de trabalho. E até no secundário, quando já há reprovações, se notam resultados melhores. "A nossa taxa média de retenção é 3%; a média do País é 25 por cento."

A aposta seguinte, visto que muitos alunos eram pouco autónomos e responsáveis, foi abolir o toque da campainha. Muitos recearam que os miúdos se sentissem perdidos. "Os mais pequenos talvez, na primeira semana", assume ainda o diretor. "Os outros habituaram-se logo." Além disso, chegar atrasado torna-se uma grande complicação: no primeiro ciclo, os pais têm de levar os alunos até à sala. Os mais velhos têm de ir à biblioteca buscar o papel para fazer o relatório, depois vão ao gabinete do aluno, que é na outra ponta da escola, ligar aos pais e ler o que escreveram, e ainda seguem para o gabinete do diretor para carimbar a explicação. É verdade que às vezes lhe chegaram justificações do género "caiu um ovni à frente do carro", mas por regra acabaram os atrasos. "Em média, na maioria das escolas, os alunos demoram oito a dez minutos a sentarem-se na sala. Aqui, sem toque, isso faz-se em metade do tempo." E há ainda o livro de ponto, já o dissemos, que também deixou de ser sagrado: desde que são os alunos a transportá-los, nunca mais desapareceu nenhum, nem sequer uma folha. "Sentem que isso os faz importantes, e assim liberto os professores para tarefas maiores", comenta o diretor.

Claro que há outros fatores a entusiasmar tanta gente com a escola de Carcavelos, como as boas parcerias para o curso de turismo, na vertente profissional e esse orgulho vê-se nas fardas engomadas na perfeição e também na forma como algumas das alunas desse curso, as mais velhas, encaram o papel de protetoras. Veja-se Marisa e Rita, de 18 e 17 anos, madrinhas do 5.º E, a serem rodeadas por meia dúzia dos seus protegidos, no último intervalo da manhã. "Então, namorados e namoradas?!", brincam elas. A risota é geral mas por todo o lado sente-se o mesmo ambiente acolhedor. Para isso, outra medida: abolir as aulas à quarta e à sexta à tarde, permitindo uma pausa a meio da semana e antecipar o fim de semana. "Eram os dias que estavam no topo das ocorrências de indisciplina e isso acabou. Hoje, chegam-me professores surpresos porque nunca tinham dado aulas sem gritar", segue o diretor. Queixas, ali, só ao contrário: pais a queixarem-se porque os filhos não entraram. Adelino Calado não esconde o sorriso: "Não cabem mais..."

Como fazer uma escola inovadora

SEM TOQUE DE CAMPAINHA

À hora marcada pelos relógios, alunos e professores dirigem-se para a aula ou saem. A responsabilidade fez o resto. Acabaram-se os atrasos.

ATÉ AO FINAL DO 9.º ANO NÃO HÁ CHUMBOS

Acredita-se que a retenção não é melhor maneira de recuperar miúdos.

TURMAS ESPECIAIS

Quem tem dificuldades passa a estar numa sala em que há mais do que um professor por disciplina SÓ UM TESTE POR PERÍODO Mas há também fichas individuais e trabalhos de grupo, o que obriga os alunos a acompanharem a matéria diariamente.

LIVRO DE PONTO

Os alunos é que o transportam e são responsáveis pela forma como deixam as salas depois de as usarem.

TARDES DE 4.ª E 6.ª LIVRES

Não há aulas à quarta e à sexta-feira à tarde, alturas em que havia mais indisciplina.

 

http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/conheca-a-escola-onde-nao-se-chumba=f811779

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autoria Sandra P. às 08:00


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